Trata-se de um filme no limiar do terror, dominado pela acção, onde o espectador é surpreendido pela drástica metamorfose de um para outro género, ou não fosse fruto de dois "génios loucos" do cinema, Quentin Tarantino (ambos os "Kill Bill") e Robert Rodriguez (trilogia "El Mariachi"), cuja fusão viria a originar obras de culto como "Cidade do Pecado" e o conjunto "Grindhouse", aqui numa das primeiras vezes que colaboraram, produzido por ambos, realizado por Rodriguez e protagonizado por Tarantino.
Todo o filme está envolto numa atmosfera pesada; perfeitamente desenvolvida com recurso a uma banda sonora dominada pelo "metal", com intérpretes como "Tito & Tarantula" e "ZZ Top", que conjuga perfeitamente com a concepção road-movie que está patente do primeiro ao último minuto. Os locais de filmagem (EUA e México) permitem focar única e exclusivamente o objecto central da imagem, ou seja, a realização valeu-se de localizações isoladas, de fácil percepção sem que o espectador tenha de desviar o olhar para entender a contextualização. Não é pois só o bar que se destina a motoqueiros e camionistas, toda a obra é um hino a este tipo de cultura, onde não faltam os excessos, o álcool e, claro, o sensual striptease!
O argumento é muito criativo, todavia, longe de estar perfeito. Se é verdade que é ele que garante a singularidade do filme, tornando-o único, também é devido à sua irregularidade que não atingiu outros patamares. Há situações em que o espectador sente que lhe estão "passar a perna", e, se uma ou duas podem até ser perdoáveis, outras não são de todo, especialmente quando há duas lacunas graves nos últimos cinco segundos. Neste caso, não há pirâmides astecas logo poucos quilómetros após a fronteira mexicana e, ainda que as houvesse e tudo a elas fosse devido, em tanto tempo ninguém tinha dado pelas centenas de camiões que ali tinham sucumbido, nem pela falta dos tripulantes
Para além do mais, se é um local mítico e de culto entre estes vagueantes, como se pode ter tornado nisso se quem lá chega de lá já não sai?! Mortos não espalham elogios nem sensações!
O estilo de gozo que é característico dos filmes desta dupla, que consegue fugir à comédia sem nunca abdicar dela, está bem patente ao longo do filme, conhecendo contornos excêntricos mas excepcionais na arma de "Sex Machine" (hino a "Desperado"), ou na apresentação para todos os gostos do "Titty Twister". As falas sarcásticas, que volta e meia marcam presença, são também disso exemplo, na verdade, este é um filme sério, mas tão catita que por pouco escapa a destinar-se a maiores de 12.
O enredo baseia-se na fuga de uma dupla de assaltantes recém evadidos que atacaram um banco e circulam pelo Texas rumo ao México, carregando o saque e deixando um rasto de sangue; no lugar errado e na hora errada cruzou-se uma família de viajantes de auto-caravana da qual se tornaram forçosamente inseparáveis. O lugar do encontro com um facilitador de fugas mexicano está marcado para o apelativo "Titty Twister", um bar no meio do nada que está aberto até de madrugada e serve "pratos bem apimentados". Nunca chegamos a perceber se há complot entre guarda fronteiriço, relações-públicas e gangster, todos interpretados por Cheech Martin, como que se um facilitasse a passagem e outro organizasse fugas por ali, de propósito para angariar clientela fresca
Esta é uma duvida à qual sorrio; sabe sempre bem um misteriosito
Os efeitos especiais são de uma ambiguidade extrema, embora predominem os de elevada qualidade, por vezes fica a sensação de que o rigor foi esquecido e estamos a ver um filme igual a tantos outros (mesmo assim, são um luxo quando comparados com os das duas sequelas entretanto realizadas, aliás, todo o filme não se compara). O rigor na articulação efeitos/argumento também não é completamente eficaz; exemplo disso é Tarantino, com um furo de dois centímetros de diâmetro na palma da mão, continuar a articular todos os dedos como se nada fosse
Ou ficar de imediato com a mão toda homogeneamente ensanguentada, como se tivesse mergulhado o punho num alguidar de sangria!
O elenco é fantástico e abundam nomes sonantes de então e de hoje, não faltando a diva de Rodriguez, a mexicana Salma Hayek ("Frida") e o seu actor talismã, Danny Trejo (trilogia "Spy Kids), espinha dorsal da trilogia, único a integrar os 3 filmes e elo de ligação entre eles. George Clooney ("Syryana"), Harvey Keitel ("O Piano"), Juliette Lewis ("Grito de Revolta"), Tom Savini ("Zack e Miri fazem um Porno") e Cheech Martin ("Paulie") são outros nomes de destaque. Este último, também habitual com Rodriguez, protagoniza três personagens, a segunda delas numa interpretação de arregalar a vista.
Clooney (então quase desconhecido) é o actor principal, um assaltante simpático cujo maior defeito é fazer-se acompanhar pelo irmão (Tarantino), assassino compulsivo com tara sexual. Keitel é um viúvo, ex-pastor, agora sem fé, que "acredita no pai Natal" e está disposto a fazer tudo para garantir a segurança dos seus filhos, um jovem achinesado (o efémero Ernest Liu) e a escaldante Lewis, noutro papel que recheia uma carreira dominada pelos de cariz provocante, quando não pior... Hayek é a dançarina satânica envolta numa cobra gigante, um poço de tentação que é também a origem dos tumultos. Trejo é o barman de serviço, especialista em doses forretas com requintados complementos; Savini é "Sex Machine", um cliente especialmente apetrechado que se junta à liga de sobreviventes por tempo limitado; e Martin interpreta um guarda fronteiriço, o relações públicas do bar e um gangster mexicano especializado no apoio a fugas de criminosos para garantir parte do saque.
Este é um filme singular, tentador, que não sai da memória de quem o vê! Um marco na fusão do cómico, com a acção e o terror, conjugando uma espécie de thriller com ingredientes para agradar a todos os gostos. São 100 minutos diferentes uns dos outros, mas de um modo geral muito saborosos
Para ver, de olhos abertos até de madrugada!
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